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domingo, 12 de abril de 2009

Morte cotidiana

Por enfado, viver.

Mas seguir cantando
o cansaço

(a corrida
quando volta
ao primeiro passo).

Cantar a dor
numa ligeira ode
(um ligeiro pranto).

Um canto onde se notem

lírios e acalantos;
delírios e morte

(Mas não a morte
suja do sangue
sujo dos homens mortos).

Sim, a pequena morte.

A dos dias de sempre.

Morte na quitanda,
no campo em flor.

(Morte-sobremesa,
sobre a cama:
graça e dor).

A morte sepultada
no peito da enorme mágoa.

Ou a morte esperançosa,
a que pede abrigo
e tece crença
enquanto espera
em silêncio

a sua pontual hora
(sua presença).


Ó morte pequena

(essa que anda a passos lentos,
e beija a face antes
de despejar-lhe
o veneno)

trazei-me horas de acalanto
em teu berço eterno;

trazei-me o olhar sereno,
teus cânticos e sonetos,

o ouvido atento...

Ou talvez, momentos
mais terrenos
ainda, enquanto feto.

Para que
outra vez eu sinta
(e melhor)
o odor das peles

e a beleza finita
dos solares raios
e suas avenidas

entre folhas e ramagens
nos fins de tarde;

Para que
outra vez eu toque
a minha pele
e a deixe sentida
sobre a escassez
de matéria
das coisas
cotidianas da vida.




Um comentário:

Bárbara disse...

A vida é mesmo um sem-sentido de coisas. Às vezes, a gente não espera mais nada dela, mas segue vivendo, só e somente só, porque continua respirando, e a morte pequena segue como uma sombra.