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domingo, 24 de outubro de 2010

olhares corrediços

de novo
   o lamento

     aquele trago
    traduziu-se em
 palavras de amor
a-tira-das
 ao vento

transido,
   corro os olhos
       até assegurar
(de novo)
o mono-movimento

        até me habituar
    com a sua presença
  nas entranhas;
nos deslocamentos;

nos calçados
  que nos conformamos.

Mas outra vez
   o salto entre dedos

e um inefável gracejo
    que se pensou
        poesia

mas poeta
   algum versejaria
o verivérbio
    secreto
que habita
    no silêncio
de olhares corrediços
    em busca de novos
movimentos

terça-feira, 12 de outubro de 2010

teias ao vento

Estamos todos em
     desalinho.

   Em linha reta
saltamos todos
por quase todos
os
precipícios.

Principiamos
   nossas crenças
como um
   inseto indefeso
que se precipita
   e se lança à sorte,

aonde o vento leva.

         Levamos ao norte
a existência;

ao sul, outra vez,
        as inóspitas urgências.

Construímos nossas vidas
    como teias
de uma aranha
indiscreta.

Mas antes de
    capturarmos
ou
   de nos tornarmos
presas,
   façamos
da vida
   uma aventura primeira,

ainda que

        errando

estejamos todos
   sempre
em recomeço,

reconstruindo teias,
antes ao avesso.

domingo, 26 de setembro de 2010

os ponteiros do almoço

— A corda a corda a corda

E os ponteiros tombam já quase mortos

— Acorda, não vê o cheiro do café?

(o sabiá entoou seu canto e varreu
o sono dos dentes).

— Dê corda no relógio e traga a galinha

O almoço trará alegria
cozido e gente…
Farofa cerveja pimenta e gente

— Traz a faca do cabo branco

Os olhos sem direção
as penas voando
o sangue encarnando as mãos

— A bacia a bacia a bacia

(o almoço se banhando)
E o café aquecendo a espera
(o dia)

— Passem o açúcar pro menino!

Gatos passeiam ao redor da mesa

(O sabiá não sabe o que canta).
Os ponteiros já quase anunciam a hora da alegria

Estão todos acordados agora

— Desligue a tevê os outros estão chegando

É hora do forró xote baião

(O sabiá se assusta e emudece o canto —
não há dor ou alívio).

— Desçam daí, cristo do céu

Gente pequena provando goiabas —
o sabor primevo de roubar frutas do pé

Frutas maduras pisadas por pés descalços
o nojo na face e sementes entre os dedos

Gritaria gri-ta-ri-a
o almoço trouxe gritaria
zombaria e reencontros
como em álbuns de fotografia

Outras mãos pequenas arquitetam casas e mobílias
jogos de adivinhação

— Mande ela tirar isso da boca

Peças de um quebra-cabeça que dói
e mais peças
Uma imagem cheia de montanhas e frio
Longe, bem longe, onde há frio.

Os gatos teimam escondidos
discretos

— Sai de cima desse gato, criatura

(que continuam esperando migalhas e atenção)

— Liguem a tevê

Zoada e confusão
cores e bichos peludos
xote e baião
e o roçar de talheres nos pratos

Conversa longa e gestos de mãos
e comida sobrando entre os dentes…
(festa no salão - conversarias)
Nenhum almoço jamais traria tanta alegria.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

a procura

esvaziando os bolsos
à procura de balas

encarapuçando os pulsos
à procura de dor

o doutor alerta:
"precisamos nos esvaziar
daquilo que nos deixa vazio."

Sábio. Como ele sabe
nos deixar vazio...

Mas alumiando
a fissura
se chega à cura.

Lancemo-nos
portanto
à procura

como uma fagulha
em mergulho profundo

("preciso me esvaziar
daquilo que me deixa vazio.")

Eis a cura.

sábado, 11 de setembro de 2010

Ramus

Nos ramos,
os nossos lírios
e rosas,


as rezas
e relvas
que nos habitam
os terrenos mais
baldios.

Ao pé daquela que dorme,
tantas vezes
deixei-me adormecer
ouvindo estórias
compridas que não acabam mais.


E nos ramos de hoje,
os domingos de sóis


(um pouco de nós).


Nos ramos,
também as gotas
da minúscula chuva
(plagiando orvalhos).

 Em nossos quintais,
uns sonhos
voaram sem rumo,
estão sonâmbulos,
presos em cristais;


outros deslizam
entre os dedos
e se deixam escorrer
entre os ramos,


voam para o longe.
Mas, quando querem,
voltam aos nossos
umbrais
o mais depressa
que conseguem.




Ao pé desta que chora,
me vejo ofertando flores;
me espelho em seus líquidos amores
e sou de sua voz
um fiel mensageiro.


E nos ramos antigos,
os nossos recentes vãos;

as cantigas:
nossas voltas e idas;

os salmos:
cânticos serenos;


os filhos e a fina matéria:
tão pura e cristalina

quanto a memória
desta que a todos ilumina.



Ao pé daquela que dorme,
andei por vezes cabisbaixo,
esperando que me trouxessem
aquele algo morno e ingênuo
que vai ficando no caminho.
(E sua beleza).


Mas sei que um dia andarei sozinho
esperando
as minhas rosas
e lírios;
as rezas, as horas sobre a mesa
e os Ramos
desta ida que também 
é volta.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

escombros

eu
   escombro
      meus quadros

e revelo
o endereço

sou de cantar
os filhos dos erros

e de tê-los
(escombros)
entre os dedos
de minha mão

sou de morar
no segredo;

no degelo de mim,
pedras de sal;
um desenho que
me contorna

e, arisco,
torno de outros
cantares

mas logo
a esquina
se avizinha

e enquadro
novamente
meus olhos

      que caem
em baldio terreno
    de escombros
      olhares

terça-feira, 25 de maio de 2010

risco

do risco
do poeta
não sobrou
verso
nem conversa

              as frases todas

ator-dO-Adas
   
    des           
          cer          
               am
         
        t r ô p e g A s

pela
       des
            carga

domingo, 16 de maio de 2010

da beleza de novo

deitei outra vez a beleza em meu colo
e desta vez
não serei de dizer
que a injuriei

deixei que ela consumisse
sozinha
todo o néctar
e toda a flor

pois enquanto andava
eu
à procura de
guarida

andando
sozinho
nos vales e montes
desta terra,

vi brotar do
lodo
(outrora fecundo solo)
a vida

em flor de lótus

)
a beleza
imaculada
dita
novamente
seu curso       outra temporada
(

do breu
 vingou
a flor; e desta,
  a beleza

até pousar
outra vez
seu repouso
em meu
colo:
eis minha mesa.


Estou servido,
pensei.

Mas dessa vez
a deitei em minha cama

... e juro que não a injuriei.

terça-feira, 4 de maio de 2010

em casa

quando
  nas demoras
busco
  teus detalhes (ainda)
es palha
             dos
 pela casa,

minha cara,

é porque estas são as tralhas
         que lanço sobre meus
dias

entre idas e recuos,
  ausências e norte.

havia um ponto
    antes aproximando
a frouxidão
               anunciada 
 no seguir dos passos 

hoje recuso-me a encarar as coisas
   como se elas fossem  apenas
despedidas...

     vivas as coisas se
 perpetuam nos móveis desta casa...

... nas frechas, nos ventres
nas entre
                linhas e
          telhas.
 nas orelhas e paredes.

em seu íntimo alicerce.

minha cara, assim te busco:
viva,
  presente nos sentires
(ainda que ausente nos dizeres)

assim te vejo:
   tateando teu cheiro
na roupa esquecida,
nos lençois não lavados
na pele embevecida;

  assim, semente,
 na casa repartida
       
        sempre
            ali
          viva
             .

quarta-feira, 14 de abril de 2010

ter o que procura

mulher,
 teu nome e olhar
endereçaram-se a outro

   que
não te ver

  ele
procura no silêncio
  a última gravura
para o álbum
 de família

  ela
atira suas flechas
 como quem mira
um alvo às escondidas

  ele
um anônimo
 de braços dados
com o silêncio
do álbum
incompleto

 ela
arquiteta
de arco
 e galgos
atirar-se
 da tela


 ele
virando a página
(a última gravura
   incerta)

 ela
(ferida)
 a
   candura
que fere
a
   busca cega


cada um,
em segredo, 
  tem sempre o que
(não)  
procura
(e o medo)

quarta-feira, 24 de março de 2010

poente

o pão
 quando falta ao
homem

o vinho
 
o circo
 quando falta

toda falta
deixa no homem

uma fenda
      que
em fogo abrasa

as cinzas
   espessas

onde a verve
vive
    e alimenta
      o segundo
seguinte
         à falta


o pão
   o vinho
o circo

o terreno
   
onde a brisa
     pausa
 seu desejo
    po
        e
          nte

e dele
  se serve
(como um servo
 do veneno ou de sua
falta)
  
   a cada novo
 trago

mesmo que dele
 se ausente.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

um encontro

o abotoado
   sorriso

o castiço
   homem
à espera de um
   outro

postiço
  uma cena insólita

  a vista é sofrida

mas vê-se ao fundo do copo
   uma mancha
  disforme

que, dizem,

"aprisiona horas distintas
em nobres uniformes..."


... a espera é tardia
   como o verão

é quente, mas se vale
da frieza dos
    homens

e o homem
 à espera do

outro homem
 continua

desfazendo cinzas
 descascando unhas

mascando o tempo

mas antes
do último trago
(seu veneno)
e antes ainda que
pedisse outra dose

o homem esperado vem
se aproximando

o carro é blindado,
o homem, não.

    os olhos por trás das lentes
(e do bigode)

parecem borrados
   uma nuvem negra os
borda num tom sombrio

 o homem que esperava
    desfaz o bocejo

e toma seu último trago
 antes de ir a
                     o encontro:

um acerto antigo de contas:


"dois mais dois são quatro"

               e ponto

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Aterrando mares



Da janela, ouço uma voz
o eco de um poeta
o beco:

de que me vale ser
filho da
paisagem inerte dos livros

quando a que
penetra
no surdo som das palavras

invade o quarto
e faz do medo
uma morada?

o lençol da cama
hoje está
intacto

a fama à mesa
se mostra
tonta

mas põe relevo
ao que antes
era vácuo

pois o vício
das ruas
tem um gosto amargo

é triste
ao final
quando a soma

dos lados
não traz
um positivo saldo

e os olhos fechados
daqueles
cujo sangue

outros podres corpos
derramaram
num mar


pouco (muito)
aterrado

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

outras teias

uma teia tão fina
     dividida
entre dois contínuos
     traços

de um lado as lidas linhas da mão
de um enovelado tempo
                           vivido
     
       noutro, fios que teceriam
   um tempo-espaço
opaco
        
acaso a presa
buscasse na dor uma lasca de prazer
(um misto com a surpresa)
- o prazer de sentir-se no limite das forças -
pois quem tece a teia tenciona a outro
a dor
mas é a sua a fisgada
       são os fios de sua teia que forram
                             sua dor

e lhe ofertam um prazer à sombra
              de sua própria árvore

   tendo em volta
           venenosas serpentes 

  uma teia tão fina
        fios que a força não folga
(onde a pele jamais toca)

e presas no limiar do instante febril

cada uma em sua
toca