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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Teias












ela queria
um dia
o sorriso do palhaço

- sua mentira -

o choro do ator
há muito longe dos palcos

- sua verdade -

[ela sonha uma inquieta aranha tecendo sua teia]

uma criança lhe passeia com um olhar atento
e pensa verdades

descobre
que ela, mulher,

não sabe tecer linhas
 em volta da presa

e deixa escapar
furtivamente
um fruto

o alimento

a sobremesa

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

um sopro quente rente ao pescoço nu

Atendi ao pedido
árido
    de sua voz

          e saltei por
sobre meus ombros
(e sua voz e sua voz e sua voz...)



mas antes
     havia ainda o passo a persistir
na caminhada



havia o conforto
dos dias
        o trabalho


  o lar


(mas a sua voz...)
   a lasca
 o casulo
os cascos vermelhos e subcutâneos

  profonados aos olhos
ali situados
no distante - de partida



mas quente e bem guardado o lamento
     os laços
 se dissolvendo
por dentro



(tempo tempo tempo e temíveis deslizamentos)



sinto que algo
escorre placidamente
pelos dedos de minhas mãos já sem força



(e sua voz sua voz
há tempos
assim pelas mãos escorrendo)


o brio
        da maciez
o furto trago do veneno amargo
e o chamado:


é tempo
     estamos em torrentes
              - declives - 
e quente o sopro rente ao pescoço nu


então
cabelos soltos
salto
   por sobre os
           ombros


e enfim encontro
(do alto da torre)
a lua
     o mar
          as folhas do outono.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

ócios do ofício












este o ócio

         que dizem
poetas
         a alma do negócio

mas se tal ofício
elide (ilude)

polícia e isca
(pois policia o cio e o ócio - suas iscas)

 este ofício então requer
  cio
ócio
   e
isca

(... silêncio)

_

,
salto (risco, traços)

um mergulho

ao abstrato
                mundo
das coisas
à pena
             palpáveis


este ofício
requer retorno à superfície
ociosa, peneirante

um atirar-se do lago plácido como
as folhas outonais boiando secas na superfície
do ócio


um respirar
     ofegante

a poucos instantes
do novo mergulho

este ofício
       o ócio
       o cio

a isca e o risco

     o ciclo

ócios do ofício

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Bolero

Para Roni

"Somos então
poetas".

Assim disse o poeta
quando defronte
de um tema ravélico pensou plagiá-lo.

Como um bolero de comparsas.
Um sopro orgânico na boêmia dos jardins noturnos.

Assim o plagiaremos.

Um bolero épico
no canto dos pássaros que agora
revigoram o dia.
Que agora saboreiam
o momento de campear nova trilha. A dois.
E em revoada.  

Até que assim, ao som de flautins embriagados,
e encaixados na claridade percursiva
de fadas enamoradas,
o lamento emudecido dê  
lugar ao esmero
trabalho que há no canto dos pássaros.

Ao louvarem o dia em sua sempre 
luminosidade rara.

Um bolero
em dança uniforme e
contagiosa.

Mas plagiado em seus trajes,
se descobre valsa.

E ao recuar sua dança,
ao retardar sua fala,
pede furtivamente aos da sala que não tolerem
farsas. Que dancem a dança
da então Valsa.

"Somos então poetas,
meu caro".

Dancemos a valsa.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

última cena

a Tazio Zambi



o erro na última cena
o xeque      
e a cara do guri arrematada de fome
                                 
este espasmo       
lúdico no ato  
involuntário de atirar-se da tela
                 
um rosto de criança  
uma palavra subterrânea  
e um desejo abaixo da pele    
                                       
tudo isso não revele   
o pulsar no peito   
a palidez da esperança 
a mão que esconde a bola de gude        
e o esguio olhar de fora
da tela

na última cena

no arremate                                  
   
no limiar do disfarce 
       
xeque-mate

domingo, 27 de setembro de 2009

antes do sono

e se antes de dormir
o sono não me chegasse...?


o risco de correr
de olhos vendados

é, antes de tudo,
o de não ver os riscos
desenhados no caminho

pichados no muro

não ter suas cores
seus traços

nos íntimos olhares...

(e olhares oblíquos dissimulados).

e se antes de dormir
o sono não me chegasse...?!

domingo, 20 de setembro de 2009

Nem um instante somente meu

Nem um instante somente meu.

Milênios em branco e preto e nenhum arame
será igual às roupas brancas quando
dependuradas num varal.

Pois ao navegar em sua hora,
o instante, em novo movimento,
trará ao sol algum antigo desenho de
bandeiras ao vento.

(Baile irreconhecível a olho nu.)

Mas reconheço:
ele (o instante) também se ausentou
de mim
nas horas em que dormi.


Quando velou outros sonos, saciou e viu
outros instantes saciarem outras sedes.

Esteve perto e fugaz.

Não o capturei. Fui áspero às vezes.
Rude, talvez.

Mas tive sede. E água não me faltou.
Mas tive, em seguida, outras sedes
e fome.
E comida e água não me faltaram.

Não tive saída.

Voltei a visitar esquinas;
a dar voltas em torno da lâmpada.
Voltei a sentir fome e sede... (senti faíscas).

E aquele instante cada vez mais longe e de saída...

Uma vaga lembrança enquanto coisa
vagamente esquecida.

Mas, quando de sua volta,
vi em sua face outra máscara,
um novo escape em fúria e em gesto
se fez Vida-despedida...

Tentei segurá-lo, evitar a queda. O acenar de mãos...
Tentei novamente capturá-lo.

E, sem êxito a cada tentativa,
fui capturando meu próprio silêncio.
E logo, calei-me.
Virei um fóssil em vida.

O que mais queria era torná-lo
vida presente.
Mas sempre a fuga, o abandono. A despedida.

E por ter ido; silêncio ter sido, foi viajar palavra.
Terço de mim; do que sou: Palavra-instante
(l-e-t-r-a)
Tecido colande, apegado a mim. A palavra.
O instante.

A cola, o mel que se renova.


E por isso, não aquele, mas outros,
de outros,
de fomes e sedes outras,
outros instantes meus virão de novo
velar-me a vida.
Dar-me outra vez a voz. A saída.

domingo, 9 de agosto de 2009

Capturando ondas

Enquanto espero
teu nome se desenhar na areia

sou onda que vagueia…
E esse movimento, essa dança
suave respinga em mim
um resquício de maresia,
uma sombra daqueles teus olhos de ressaca…

     Ou talvez fossem (as danças) cadências de músculos
dançando

     num espaço-salão sem luzes e
adormecido,

    cujo tempo emparedado me lança
    para uma fuga

(como se um relógio parado e firme na parede de uma
antiga casa convidasse sua amiga traça para um desfecho).






Sou então a cavalgada.
O passeio sem garupa. Um nada.
E teus olhos ateus novamente vagueiam seminus por sobre as ondas
e assumem, na palidez do ar, uma aparência de astro em mutação.
Assim te vejo tão sempre nunca retilínea
que pareces enfim voar por sobre as próprias asas

            Mas fazes então tanta questão de continuar a dança das
      bonecas
e o trocar de sandálias e o pentear dos fios

                            embaralhados de sono
     que não vejo outra escolha senão te desenhar

(teu nome)
na areia do mar.

Mesmo sendo eu onda.

domingo, 2 de agosto de 2009

Fios de luz

"dança para a música do tempo" - Nicolas Poussin



As nuvens da noite
já se dissipam

e o tempo agora é de espera

por trás da cortina,
há uma fita de luz
(e somos todos fios
e luz

estrelas que brilham
quanto maior a escuridão)

e a dança do tempo continua

seu ritmo lento e contínuo
faz das horas passageiras viagens


e o caminho é de círculos...

E os sinais nos convidam para uma dança.
Em círculo nos somamos e de mãos
dadas dançamos
à procura do próximo passo.

É sempre outra dança.

A antiga música vestida de novos arranjos.

E os anjos com suas harpas
sopram aos ouvidos nossos
um vento frio e dizeres
zelosos.

"Somos todos fios
e luz.

Estrelas que brilham
quanto maior a escuridão".

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Estes olhos

Estes olhos desumanos
de tão humana carência
são como palmas e dedos
em silêncios e toques

São ardentes olhos
em retoque de almas;

o medo quando, em segredo,
revela a sua morada.

Estes olhos humanos
de tão desumana desgraça
são como a covarde palavra
que na boca falta

e mente o pedido,
o lamento —
a espera de uma criança
por sobras e doces

os olhos que
lacrimejam fantasmas e tempos


são olhos de luz
de tão iluminado desejo

Semente
de tempo germinado
em quintais de antigos
donos.

Semente
lançada aos ventos

(seus olhares);
ao traço e trança e risco.

Aonde te lançares.
Nos alcances.

Lá onde não se revelam.
Velam à deriva. Aonde o vento leva.
Os olhares
semeando tempo.

E estes olhos de luz,
humanos,
de tão carente segredo?!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

visita

do ardente
fogo
envolto em sins


ao elevado
tom das chuvas.


assim te peço
uma visita.


de saída. em fuga.
ou lida. sem ter hora.


Mas te peço assim que venhas
embebedar-se de águas
e fonte.

o Desejo nascente.


contínuo movimento
ali situado.


ali no presente.
na ardência dos olhares.


e nos detalhes. nas cintilâncias.
nos olhos perfilados.


nas cores revisitadas.
até onde a vista alcança.


nos telhados. quando
lágrimas.


te peço assim que venhas
como uma visita
triste. fugidia.
mas que se demore.
o dia.


que se descubra
quando ausente.

e que se despeça lenta
enquanto a febre
não estiver ainda
tomando a pele.

nesse dia então
eu te faria sala.

como um entre-lugar
imóvel sobre a máquina
de costura

já sem uso.
sem visitas.

em sua gaveta, o semi-tudo:



o tempo. sua cortina.
tecidos e teias. sua costura

na cortina, a poeira;
o esquecimento.

assim te peço visitar-me,
o Desejo.

assim te descubro.
lento.

esquecido. sábio.
e desfazente.

um sequestro de horas.
ali, nos repentes.

intacta em seus móveis.

o Desejo

a espreitar-me
a hora,
os movimentos.

(assim o desejo. seu norte).
uma visita imóvel pela casa.
(assim o desejo).

em tempo.




segunda-feira, 15 de junho de 2009

Tempo de Bandeira (verdes tons amarelados)

São horas de bandeiras. E brisa.

E tempo de maçãs
e fomes.

Mordidas, e tempo
de amores
descomedidos. E licores.


São horas de bandeiras
e cores
vermelhas.

Sinais fechados, e não.
Apitos de trem. Carvão;

Fumaça. E moinhos. Centelhas.
Tempo aquecido de fugazes
retornos. De limbos lugares.
De bagagens refeitas.

De passos. Estorvo.

São dias de orvalho.

E lentas horas
e flores. E dança.

Tempo de crianças
e palhaços. Tempo de demoras.


E lágrimas. E vidas.

Pétalas para todos. Os odores.

Os cânticos, os serenos, as quinas.
Dobradiças.

E calcanhares.

É tempo de sorriso
de horas. Ponteiros. E lanças.

Telas.

E pinturas em pele.
Partituras em movimento.

Tudo antes retilíneo.
E sinal
fechado.

Agora, o giro.

O salto.

O tempo
em recontagem de horas.

E de verdes tons amarelados.




sexta-feira, 12 de junho de 2009

Cantigas e Danças

para Erinha Ribeiro


te amo um amor
cantante

um amor
que se canta
enquanto
durmo e permaneço em sonho
sem ter voz que o cante

sem uma voz que o cante
como se canta um amor divino,
um amor sem corpo,
nome ou destino.

um amor semente

amor que se sente
em sonho
em vida,
eterno e
presente.

um amor de acordes
e melodias matinais.

imagem-cortina
de algum antigo filme

atenuando o dia

aquecido de sóis.

uma imagem em branco e preto
que, não se apagando da memória,
permanece viva
em cores e sons
num canto qualquer
de qualquer soneto.

te amo um amor
dançante

uma dança
de passos disformes

um par, em uníssono

cada um
uma dança

cada som em silêncio

e cada dois
em amor
velado e mudo,

um amor puro e verdadeiro.
E eterno em cada vão momento.

domingo, 17 de maio de 2009

Fomes e febres

sua visão febril
sua falsa fome

no peito de quem dorme,
uma selva:

"tornam-lhe os maus instintos

a alameda deserta"

(sua negra placa
de verbo-musgo)

- uma nesga
dessa floresta -


(sua fronteira)


sorvo tudo em sonho
e durmo

bem alto
um sono profundo.

Estatelado e mudo.


Levanto e
vejo claridade

e o despencar de
uma ave
num céu de chumbo.


E sua visão febril
e sua fome

- nomes que acalentam
enganos
e medos -

(seus túmulos)


e seu canto que obriga
um entrecortante grito

entre muros
e árvores

(férvido desejo)


uma vida assim andante
e o canto, e o grito
no alçapão
entre fomes e febres


aquele desejo que ferve
por não ser nunca atendido

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Um mundo de festas


Eis aqui uma página ensanguentada
tinta vermelha, suor nas sílabas
olhos paginados e voz fingida

Eis um calo na fala

cordas que silenciam palavras



Sempre foi de haver coisa sem nome
coisa sem pele
sem cheiro e cor
sem fezes


Mas sempre o segredo encobriu a lógica

e nunca a palavra se fez
completa

sempre alguma falha alguma
brecha

(ciladas)

Eis aqui o mundo das faltas
um mundo de festas

terça-feira, 12 de maio de 2009

Enquanto

Enquanto queima
tudo é chama

tudo arde
enquanto clama

o desejo
de quem
pede
um pouco
de cama e...

... segredo...

E quando cala
- bala no peito -

abala a música

do corpo salta


(precipício)

outro momento
que pede água

e beijo...

(mas silênc...)

segunda-feira, 27 de abril de 2009

o que flauta e flutua



o que flauta
flutua
em minha aberta mágoa

é uma carne
a parte
do corte

a fome



sem-nome

a fome de ter fome: ávida marca

ou o fio
o talho
dos panos
retalhos

fio-d'água
- sentença de fé ou

de
lírio -

contempla
a calma
na palma
o aperto
da mão
o parto
o quarto
: semente dourada:
sol-i-dão

mas o pouso
flauta e flutua
não tarda: baila em torno de si

e deixa ainda aberta

a mágoa.

terça-feira, 21 de abril de 2009

poema num vácuo calculado e impreciso espaço


Deixa-se sentir

tanto quanto

deixar-se-ia livre
acaso fosse

ABERTA-FLOR

a palavra espacial

botão que se abre

INSTANTE-SÓ
e se perde VÃO
no breu de vagas páginas e pó



mas se acaso NÃO

Então
não-hora
e não-dia

Não é de se imaginar:

SAIRIA
fria
acaso fosse
NÃO-ROSA

Orquídea-não

a palavra vazia

domingo, 12 de abril de 2009

Morte cotidiana

Por enfado, viver.

Mas seguir cantando
o cansaço

(a corrida
quando volta
ao primeiro passo).

Cantar a dor
numa ligeira ode
(um ligeiro pranto).

Um canto onde se notem

lírios e acalantos;
delírios e morte

(Mas não a morte
suja do sangue
sujo dos homens mortos).

Sim, a pequena morte.

A dos dias de sempre.

Morte na quitanda,
no campo em flor.

(Morte-sobremesa,
sobre a cama:
graça e dor).

A morte sepultada
no peito da enorme mágoa.

Ou a morte esperançosa,
a que pede abrigo
e tece crença
enquanto espera
em silêncio

a sua pontual hora
(sua presença).


Ó morte pequena

(essa que anda a passos lentos,
e beija a face antes
de despejar-lhe
o veneno)

trazei-me horas de acalanto
em teu berço eterno;

trazei-me o olhar sereno,
teus cânticos e sonetos,

o ouvido atento...

Ou talvez, momentos
mais terrenos
ainda, enquanto feto.

Para que
outra vez eu sinta
(e melhor)
o odor das peles

e a beleza finita
dos solares raios
e suas avenidas

entre folhas e ramagens
nos fins de tarde;

Para que
outra vez eu toque
a minha pele
e a deixe sentida
sobre a escassez
de matéria
das coisas
cotidianas da vida.




segunda-feira, 6 de abril de 2009

Paraléxico

um poema que não havia

(a via - travessia)

seus
versos
se iam
por aí
nalgum
uni
verso
(paralelo?)


terça-feira, 31 de março de 2009

Olhos pela fechadura

Eu queria cantar do amor
a sua roupa despida


a sua pele, seus pêlos
a sua carne-viva

Cantar sua abertura de portas
(voltas e idas)

Eu queria cantar do amor
a sua fornalha sem pele


a sua marca, sua ferida

em sua face,
a profunda secura

Eu queria cantar do amor
a sua mais secreta chave

olhos pela fechadura

Mas só posso dele
cantar seu nome

e o charme
de seu fiel disfarce


(enquanto a chama dura)

sexta-feira, 27 de março de 2009

Apenas uma cantiga

Uma tarde cantada
uma cantiga
de cigarras

Uma formiga
trabalha

E o sol castiga
a todos

A cantiga
tem hora certa
(fim da tarde)
e hora finda
(fim da vida).

O sol se esvai
no horizonte indo


E a Formiga
descansa,
volta ao lar

A cantiga
já não se ouve


É fim de tarde,
chega a noite.

A Cigarra
cantou sua alma
sua dor foi ouvida

Sua vida
durou o instante
de uma cantiga.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Um alvo

Em cinzas,
um alvo
deixa-se acertar.

Das cinzas,

o alvo
divaga
e voa
em brancas nuvens,
solto no ar.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Trem das horas

É um trem de águas turvas
O trem que se demora
É alguém acordando
Enquanto somam-se as horas

É um trem de pouca força
A coisa que não pára
É o bem que me deixa
No rosto uma face sem mágoa

É um trem de muitos medos
O desejo que me fala
É o que tem de mais violento
Na pele das palavras

É um trem de vagões abertos
A ferida que não sara
É um trem que traz a poeira

Na bagagem que não larga




É um trem de amores outros
O instante em que já houve
O tempo de haver promessas
O tempo de haver horrores

É um trem de tempos idos
Nos trilhos das horas
O trem que agora parte
O trem que não retorna

segunda-feira, 2 de março de 2009

Oeste

Oeste
este verso.


Somos todos deserto em água.
Espinhos de dentro pra fora.


Ao sul, todos os patos.
O horizonte aponta sua linha cortante.


Somos todos divisa. E ventre.
Onde toda morte é passo

e todo passo, corte.

Duas linhas entre horas.

A primeira, de antes, fica.
Deixa-se suar pelo veneno.


A outra, parte, segue
o torto vento.


A oeste este verso.

Parte como que voltando
de longa viagem.


Amanhã
(diz o tempo)
irá chover.


O oeste é este perto.

Estamos todos submersos.


Na divisa, entre os versos;
Na esquina de quem somos.

domingo, 1 de março de 2009

Castelo de Baralho

Sinto-me livre: sinto-me só;
Apenas só me sinto livre
Não vivendo apenas só, somente só vivendo,
Livre de quem não vive: apenas pó.

Dos restos, dos versos e do apelo,
Fazem-nos homens das sombras,
Do medo, do ego, ou de mais um verso,
Mares diversos, o avesso que sou.

Sonham em si, disritmia,
Os sonhos e sons de todos os lados,
Que nos braços magros, em teu seio, ardiam,
Em forte brasa — um mar por outros, remado.

Que outros o digam, o que te digo hoje,
Em tempos, há tempos, a que tempo quiseres:
Se acaso puderes…
Livre-se de vez desta infinita ausência de noite.



Maceió, 1999.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Deve ser



Deve ser o calor.
Esse calor de inferno
fevereiro. Todo suor.
De trabalho e desvarios turvos.

Este calor que impede verso,
e que desliza nos corpos intenso pavor
e morte. Este calor, esta sede.

Esta necessidade de árvores
e água.
Esta farda surrada.
A fome de sempre.

Este calor não impedirá
meu tempo.

Meu tempo de hoje. Meu tempo de quando.

Meu tempo de sombrinhas
e carnaval.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Um sorriso

Era um sorriso:
rápido festim.

Um vestido pendurado num prego,
ali despido
deixando brotar, de seu tecido,
botões cegos de primaveras outras.

Serpente enroscando sonhos,
o sorriso,
correndo solto sob lentes desconexas,
postava-se como o sexo dormido
de um elefante sobre a lama.

Mas era um sorriso.

Um de águas turvas
e memórias
dissipadas em cores náufragas.

Sorriso e saudades fósseis.

Despencando rios.
E sendo fonte.

Um sorriso árido.
De ferrugens
e parcas fomes.

Sorriso de cavalgadas.

Sorriso de porte rubro.

Um sorriso
cavalgando túnel.

Luzes e fuga
para um inefável
gracejo de adeus e
túmulos de dentes.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Maceió

Foto - Edilane Ribeiro



Esta cidade,
— toda olhos alheios —
tem cheiro e cor
de quadro antigo;
tem o brilho enlatado
e esquecido
nas arestas do tempo.

Esta cidade
suspira peso. Gravidade
às avessas.

Corroída, anda
por avenidas
e pontes de idas;

em orlas ornamentais, de luas
envaidecidas.

Em suas esquinas de água,
crianças (e outras índias)
de derramados leites
vagueiam
como zumbis
à procura de leito e cruzes, pele e tinta.


São o óleo derramado na cidade. E a vontade. O gás
inodoro que permeia o ar. E o não-parar.
As crianças. Todas
somam-se marias e josés;
gracilianos e jorges. São serafins do norte...
Cristos e sereias crucificando mortes.

Esta cidade,
toda ressaca. É um mar que atrai
o que vier. Rejeita
tudo. Sobretudo,
aquilo que mais lhe tem fé.

(Oferendas e fezes
são como preces e prendas
)

Sem pressa, a cidade
olha para o horizonte:

tardes de cervejas e areias nos pés aos montes.

Por vezes barcas à deriva... E sol.

Esta cidade o que quer?
Lamber o sol ou a sola?
A maresia que
cola?

A oca
dormida?

Ou o acaso
cabaré?

Lambe lodo e esmolas.
Folclore e terra preta.

Lambe fálicas maletas. E todo o falaz governo.

E lambe até
o pau de quem lho oferecer. É só pagar
se quiser foder.

domingo, 25 de janeiro de 2009

No divã

Minaz olhar
penetra
à surdina
o divã
O dia vaga solene pela manhã

Mordaz palavra
do não
em folha se abre
em livro
o corte fechado

a carta na mão

Os olhos me caem
e sinto dormências
nos pés

Num instante

meus braços
sem postos
meu rosto sem fé:

Não vejo o relógio — o dia se foi

A manhã

não vem.

Um dia

Um dia ela veio

ressentida. Pálida.



Nos olhos, uma lassidão

de bocas e

lascívia.



Seu olhar, no mais

se permitia

um ar

austero sobre o chão.




Era triste o seu olhar

e pouco dizia.

Mas tão bela era

a morte em seu rosto,

que tanta vida e furor

brotavam-lhe na face

suada de gozo,

deixando vestígios de um esquecido

gosto:

o de um antigo pudor ainda preso

em seus serenos lábios

adormecidos e envenenados de medo.



Permitia-se então uma luz cega:

uma imóvel espera:

ver enfim o raiar do dia.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Da janela: rosas e espinhos


ainda lembro daquela imagem:


a roseira do jardim sobrando
e tendo asas sobre a grade

ofertando pétalas e espinhos
- perfumes -
para o quarto de dormir.


o quarto hoje pequeno
a roseira morreu.



mas quando
da janela
debruçavam-se sobre

o quarto
rosas e espinhos

as tardes mornas e claras
cobriam-se com

a calma e o brilho
dos dias eternos

dias de se construírem
tetos
sombras acolhedoras
para os dias
de calor e medo


mas a janela não abre
e o quarto não está vazio.
não há mais rosas ou espinhos.


o menino que andava aberto o peito
e sem sandálias

abria todas as janelas
e postava-se como num castelo

(dono do mistério
que há na face
escondida
de quem descobre
num só instante
a vida)

o castelo continua esguio
porém deserto

as torres
os segredos
perambulam sonolentos
o tempo de agora

e nesse castelo de sonhos
nesta hora
o menino
retorna ao quarto

que novamente o acolhe

com rosas e espinhos.


mas a janela não se abre
e o quarto não está vazio:


ainda há rosas e espinhos.




Dois éons e meio

(Ele disse “éons”
,
e antes nem era verbo
;
antes do regresso, o parto)
.

E sim,
o feno venoso
tolda a fome do animal manco.

O animal possui um nimbo
e seu olhar
sobre o chão
traz algo de petrificada paciência.



Coisifica.

E lá deixa falida a carne
(sobre a terra ensanguentada e sedenta de luz)

Ele (o animal) voltou a ser cosmos
como queria seu pai.

Mas é tempo outro.
É de ouro o martelo
e há vendas nos olhos vendidos
sob lápides antigas

e preços modernos.

Há ainda uma nuvem vagando teto
enquanto insetos sobrevoam a luz pretendida.



Serenidade e profusão de
gases.

O tempo e sua matéria se troçam

e se des

mat

erial



i

zam

em dez contados segundos.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Nunca mais

cais e nada

segredando vozes ao relento
entre ondas e conchas, vou

Navio que volta

traz

end
o

cortejo

uma bala
no bolso do pobre homem
— falsa esperança —

(
flash de olhos

amor

tecidos

)

a doce bala cola na embalagem envelhecida,
úmida.
Sor

vida
de ontem.

Maciez e gozo

: menino no cais:

duvida
e duvidando espera um pouco mais a vinda
de outras varridas almas
socorrer-lhe a pena
ou lançá-lo como pedra
ao
mar
(como um sopro pelas costas, um vento à janela)

ou
de volta ao cais?...

: “nunca mais”.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

eu nuvem

Uma pena solta

uma nuvem (seus desenhos)

divide caminhos

e pena


uma parte [pena]

pousa em

mim

outra voa por aí

sábado, 3 de janeiro de 2009

Um sempre jardim


Tenho um jardim
Que me visita
Sempre quando danço aquela valsa.

Há nele alguns espinhos,
Alguma farpa,
Sempre quando teimo aquela farsa;

Há também uma flor que se abre
Sempre quando em mim cabe
Mais um bocado de mim.


Nesse jardim só água
Há roseira
E céu.

Há um ventre,
Terra fértil,
Perfume de jasmim.


Há um templo onde pousam
Mariposas e querubins.


Esse jardim me vem
E é dia.
São lágrimas orvalhadas
Nas rosas
Mas são de alegria.

É um jardim que me toma o braço e não me deixa partir

Para um nunca voltar;
Para um sempre jardim.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Auto-retrato



Eu quis me ver
Quis me ver de lado
Me ver inteiro e despedaçado
Ver meus olhos sem espelho


Eu quis me ver auto-retrato

Eu quis me ver
Quis ser espectro de mim
De minha fuligem
Quis rever minha vertigem
Vertida em mim

Eu quis me ver
Nas coisas ao meu lado
Coisas belas e detestáveis
Quis que elas me fossem de verdade

Eu quis me ver
Em partes partido
Por
todos
os
lados

em cacos de vidro
em muros e grades

Eu quis me ver
Casa de mim
Em cada janela
Aberta ou fechada


Quis ser eu a cortina

Quis ser a fachada

ou o jardim

Mas nem sol havia nem flor nem luz
nem nada




Escher - "Auto-retrato"